Lutas dos povos da Amazônia, agronegócio e declarações feitas pelo presidente eleito sobre meio ambiente e povos tradicionais são discutidos em encontro de agroecologia, que acontece esta semana, no Pará.

Por Viviane Brochardt – ANA

“A floresta em pé vale mais que campos de pastagem”. Com essa frase, dita por Chico Mendes, o representante da CNS Paulo Rocha homenageia o seringueiro e líder comunitário assassinado em 22 de novembro de 1988 por defender a floresta Amazônica e os povos que nela habitam. Junto com Rocha, representantes de diversos movimentos sociais e de sindicatos de agricultores/as familiares avaliaram “Perda de Direitos e Retrocessos das Políticas Voltadas para a Agroecologia na Amazônia”, na manhã desta terça-feira (6), durante o IV Encontro Regional de Agroecologia da Amazônia (ERAA), realizado no Pará, e que reúne dezenas de representantes de povos da Amazônia, como indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores/as artesanais e quebradeiras de coco.

As lutas desses povos também foram discutidas pela representante dos quilombolas do Maranhão Ivanessa Ramos Mariano, que alertou para o risco de os povos tradicionais perderem suas terras e a soberania alimentar, resultante da apropriação do conhecimento e da biodiversidade locais por empresas e da modificação genética das sementes, ou sementes transgênicas, produzidas pelas multinacionais.

Ivanessa denunciou ainda a prática dos fazendeiros, que instalam cercas elétricas em torno dos babaçuais visando impedir a livre circulação das quebradeiras de coco em busca dos babaçus. “Precisamos nos espelhar nas pessoas que estão na luta há muito tempo, na proteção da Amazônia e dos babaçuais. Também precisamos passar o nosso conhecimento para o maior número de pessoas, para que esse conhecimento não se perca”, explica.

O representante da Via Campesina Luciomar Monteiro Costa acredita que para fortalecer os povos da Amazônia é necessário traçar teias, construir redes que interliguem as populações que vivem na região. Luciomar falou das diversas formas de vivenciar a agroecologia no bioma amazônico, dos povos tradicionais que já habitam estas terras há milhares de anos aos migrantes que chegaram há apenas algumas décadas, mas estão buscando produzir alimentos limpos respeitando a biodiversidade local. “Também é importante ficarmos atentos a ações de igrejas que desvirtuam a nossa cultura, que querem substituir o ‘Deus da Amazônia’ por um outro Deus, que inibem a presença de pajés nas aldeias. A lógica dessas igrejas é a lógica do capital”, acredita Luciomar. Ele alerta também para a “biopirataria na região realizada por ONGs estrangeiras”.

As declarações sobre a Amazônia, o meio ambiente e sobre os povos tradicionais, feitas pelo novo governo, que deve assumir o Executivo nacional a partir de 1° de janeiro do próximo ano, também foram discutidas no ERAA. Ângela, integrante da Federação dos/as Trabalhadores/as na Agricultura do Pará (Fetagri/PA), se diz preocupada com o que ela considera “uma grave situação que pode se instalar no País”, caso as propostas para o meio ambiente e para os territórios onde vivem os povos tradicionais sejam implantadas pelo presidente eleito. A fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente e a desapropriação de terras indígenas e quilombolas em favor de fazendeiros é parte dessas propostas.

A mesma preocupação é partilhada por Vanda Macuxi, indígena que habita o território Raposa Terra da Lua, em Roraima. “Fazendeiros e arrozeiros estão vibrando com a vitória deste candidato que vai assumir a Presidência, porque acreditam que vão tomar as nossas terras, mas não vão”, afirma a integrante dos Macuxi. Vanda destaca políticas públicas e direitos da classe trabalhadora ameaçados desde o Golpe de 2016, e que podem ser extintos pelo novo presidente, como a aposentadoria, o Bolsa Família, a saúde e a educação – em todos os níveis – públicas e gratuitas, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, entre outros.

Integrantes do chamado agronegócio declararam apoio ao candidato do PSL à Presidência e, uma vez eleito, sua base deve cobrar a fatura, paga com a perda de direitos e de territórios dos povos tradicionais. Esse é o medo de quem tem a terra como espaço de vida, de produção, de construção de identidade, de laços afetivos e familiares, de cultura e de reverência aos ancestrais. “Se eles são pop, nós queremos ser brega”, diz Bena Golçalves, agricultora familiar do Pará, evidenciando a oposição entre os projetos de nação existentes entre os que apoiam o agronegócio e os que entendem ser a agroecologia uma forma de produção de alimentos e de reprodução da vida na Amazônia e nas demais regiões do Brasil.

O IV ERAA acontece até sexta-feira (9), com atividades simultâneas em diversas comunidades do Pará, reunindo representantes dos nove estados que compõem a Amazônia Legal escolhidos em suas comunidades para integrar as delegações.

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