IMG 0499A juventude que está nas universidades é cada vez mais preocupada com os temas que envolvem a agroecologia. Esta é a avaliação de dois representantes de entidades estudantis, a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) e a Rede dos Grupos de Agroecologia (REGA): Joelton Belau e Bela Ladeira, respectivamente. Eles participaram do Seminário Convocatório do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado entre os dias 11 e 13 de dezembro de 2012, em Luziânia (GO).

Ambos criticam a formação acadêmica na área agrícola e das florestas pois acreditam que ela seja voltada para o modelo do agronegócio, que, segundo eles, é insustentável. A falta de jovens do campo nas atividades organizadas pelo movimento estudantil foi uma insatisfação apresentada por eles, além do elogio às Escolas Famílias Agrícolas (EFAs). Mas a sensação é de esperança, segundo eles dois, pois não tinham ideia da quantidade de organizações envolvidas nas mesmas causas pelas quais os estudantes lutam.

Como está a organização dos estudantes hoje, tem muito jovem se interessando? Os encontros estão ficando cheios?

BELA – Cada vez mais. A gente observa que a maioria das pessoas que estão aqui passaram pelo movimento estudantil das executivas dos cursos, ou pelos grupos que eram chamados de alternativos e hoje a gente constrói a ideia de agroecologia. Se a gente não participar, a questão da juventude nesse contexto passa despercebida igual à questão do gênero, apesar de ser uma coisa que deveria estar internalizado nas pessoas porque a maioria delas já passou por organizações da juventude.

JOELTON – Temos conseguido juntar um número relativamente grande de jovens nos nossos encontros regionais do movimento estudantil para debater a agroecologia. Há uma capacidade organizativa, mesmo nessa conjuntura que não tem muito espaço para organizar ninguém. No nosso encontro do nordeste, em Aracaju neste ano, teve em torno de 600 jovens transitando no espaço. Esperamos um contingente de mil para o ano que vem, porque demos um salto de construir não somente para estudantes da academia, mas também trazer a juventude do campo que está organizada nos diversos movimentos sociais. Precisamos discutir juntos a agroecologia e o papel do jovem no protagonismo da sua construção.

O que é o Encontro Nacional dos Grupos de Agroecologia (ENGA)?

BELA – O Enga surgiu em 2009 no Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) de Curitiba, pois a juventude se sentiu excluída do processo por várias razões: valor da inscrição, estilo padrão de construção e não tinha acampamento pra juventude ficar. Então fizeram em frente ao CBA um acampamento para a juventude, onde estava muita gente dos grupos de agroecologia que foi tomando frente até surgir o I ENGA. Teve muito apoio também da Via Campesina para esse encontro. O II ENGA acontece em Aldeia Velha, no Rio de Janeiro, quando surgiu a ideia da REGA (Rede dos Grupos de Agroecologia) para ter uma articulação nacional desses grupos. Dando continuidade teve o III ENGA , que foi agora em Fortaleza. Foi muito bacana, porque o movimento entendeu que o CBA não tem que ser um movimento paralelo ao ENGA e sim complementar. Quando tiver CBA o ENGA vai existir para ser um apoio para os estudantes de um modo geral. E no ano que não tiver CBA, como aconteceu em Viçosa em novembro, o ENGA tem um perfil de maior articulação da Rede e fortalecimento dos grupos. O IV ENGA foi um espaço extremamente rico, avançamos muito na organização e troca de experiências.

A ideia da rede e dos grupos é muito nova, estamos sentido a necessidade de nos organizamos melhor estruturalmente, traçar os nossos nortes em comum. Faremos um seminário de estruturação dessa rede no primeiro semestre de 2013. Nesse contexto surgiu a oportunidade de a gente estar aqui na construção do ENA, a FEAB sempre teve uma cadeira e os grupos não, apesar de nós fazermos muitas coisas juntos. Cada lugar é uma realidade, mas nos vários contextos as duas organizações trabalham casadas. Estaremos também na construção do próximo CBA, que será em Porto Alegre. É muito importante a nossa presença aqui, não queremos esperar o encontro acontecer tipo o CBA e questionar várias coisas: a gente quer participar da construção para estar se colocando. Por isso trouxemos propostas, queremos um espaço no ENA para as instalações pedagógicas dos grupos junto com uma feira de sementes crioulas onde a gente troque entre a gente e os agricultores que estarão no evento.

No último ENGA tinha cerca de 300 pessoas, com trinta grupos do Brasil representados. Foi aberto, teve muita gente que não tinha grupo de agroecologia. Esses são geralmente de universidades menores ou mais novas, que foram para conhecer o que é um grupo de agroecologia. Fizemos uma dinâmica para construir um mapa e vimos o desafio da falta de comunicação, pois existem poucos grupos no norte ou centro oeste.

Em relação à FEAB, como se dá o seu funcionamento?

JOELTON – Os estudantes das universidades que têm o curso de agronomia se organizam em grupos na FEAB para debater as nossas bandeiras. A agroecologia é uma das históricas mais antigas, surge ainda na época da agricultura alternativa, que é uma contraposição até hoje ao modelo do agronegócio que avança cada vez mais. Naquele momento surge esse movimento para propor uma agricultura que não seja tão nociva ao meio ambiente, pois estudantes não queriam trabalhar daquela maneira. Antigamente organizavam os EBAAs (Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa), que reuniam cinco mil pessoas, e nessa caminhada a FEAB não teve mais perna para construir esses grandes encontros a nível nacional. Há uns 15 anos se resolve regionalizar os encontros, porque despende muita energia e precisa de muito dinheiro.

Os encontros surgem como ERAAs (Encontro Regional de Agricultura Alternativa), e com o avançar e a disputa de termos nesse campo culmina no que chamamos hoje de agroecologia. Hoje é uma proposta política de modelo de sociedade para o campo brasileiro, não só porque o orgânico é legal e saudável. Pauta um modelo de desenvolvimento diferente que seja inclusivo e não excludente, como o agronegócio que expulsa o povo do campo e, principalmente, os jovens. A gente pauta um modelo de agricultura que mantenha as famílias no campo, e tenha perspectiva para esse jovem: atratividade, não só enxada, com diversão, lazer, cultura, acesso a informação e tecnologia, isso tudo conta muito para ele permanecer no campo produzindo alimentos saudáveis e todo esse debate que a gente traz.

BELA – Vale ressaltar a importância do movimento estudantil, tanto como executiva, centros acadêmicos, diretórios centrais dos estudantes, e enquanto grupos de agroecologia, porque talvez seja uma das primeiras ferramentas de sensibilização dos estudantes para estarem buscando uma formação diferenciada. Para ser um profissional que sai das universidades com uma nova cabeça, uma nova visão de mercado, uma nova visão de mundo, que contrapõe esse agronegócio que está aí. Quem faz o trabalho de base dentro das universidades, por mais que a gente tenha professores que nos apóiam, que em um momento ou outro falam de agroecologia dentro da sala de aula, sem dúvida somos nós enquanto estudantes organizados. Vamos para as salas de aula, propomos semana acadêmica, semana de transição em agroecologia, cinema alternativo com temas que questionam a sociedade e esse modelo que a gente vive. Muito do que está aqui em termos de organização nacional é novidade para mim, eu estou com uma lista de siglas novas na minha agenda que eu nunca ouvi na vida.

JOELTON – A formação em áreas ligadas diretamente à produção agrícola é totalmente voltada para o agronegócio. E temos setores rurais, diversos campesinos, que necessitam de um tipo diferente de agricultura, só que a gente é formado na academia para reproduzir uma outra lógica: quando chegamos para dar assistência técnica, sabemos usar veneno. Por isso a gente faz essa contraposição dentro da universidade para tentar alterar essa visão para algo mais holístico desse processo, e enxergar melhor a realidade para intervir nela depois de formado.

Como é a relação da academia com a base da agricultura, do ponto de vista da juventude? Porque há todo um debate de que os jovens estão saindo do campo…

BELA – Na zona da Mata as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) são uma coisa local muito forte, é sem dúvida a maior ferramenta que a gente tem no campo hoje de forma que a juventude o enxergue como uma boa proposta para continuar. Não que ele se sinta obrigado a continuar no campo, mas enxergue como uma ótima alternativa para seguir a vida.

JOELTON – A referência dos jovens da nossa geração que nascem e estão no campo é os pais, que só tiveram trabalho na roça e descanso em casa. Não têm uma perspectiva que os atraia para ficar no campo. Sabendo de tudo o que está acontecendo no mundo com relação à informática, lazer, esporte, cultura, etc, ele vê o pai que só ficou na roça, enxada, para dentro de casa. Não quer aquilo para ele, e o campo não se mostra atrativo nesse sentido. Então as EFAs conseguem trazer essa perspectiva de o jovem ser protagonista dessa mudança no campo, de ficar mas sem reproduzir a lógica dos pais, mães e avós.

BELA – Tem também muitos cursinhos populares nas comunidades, municípios e zonas rurais preparando essa juventude. É muito diverso o perfil: tem as pessoas que se formam nas EFAs e querem continuar no meio rural; tem outras que querem ir para as academias e depois retornar enquanto técnicos para atuar em sindicatos e ONGs favorecendo o meio rural; e os que não querem mais saber do meio rural. É um trabalho muito interessante que tem sido feito lá na zona da mata, nós alunos damos aula como monitores, as pessoas se formam e estão cada vez mais entrando nas universidades. No último vestibular foram quase 30 aprovações. Isso sem dúvida é uma conquista, se considerar que ontem não entrava nenhum.

Nesses encontros que vocês realizam sistematizações com propostas?

BELAL – Uma carta política semelhante a que sai no ENA, a partir do que foi discutido durante o encontro e consensuado no final. Fazer com que a agroecologia dispute espaço no cenário nacional, mas não só na academia. A gente faz o debate dentro dela, que é importante, mas também leva para fora: nos inserimos na campanha dos agrotóxicos, contra o código florestal, e tudo isso que vai representar perdas ao meio ambiente, na soberania e segurança alimentar.

BELA –Trabalhamos também juntos com algumas ONGs que têm esse trabalho no campo bem mais ativo, então muitas vezes a gente pega carona e vai junto por causa das condições estruturais delas que proporcionam isso.

Nessas organizações de vocês, participam pessoas do campo?

JOELTON – Durante muito tempo realizamos nossos encontros só para estudantes, mas nesse ano avaliamos que isso estava gerando um déficit sobre a realidade. Estava o jovem na academia discutindo a realidade do jovem no campo, então esse ano a proposta é que esses jovens estejam inseridos no debate junto com a gente trazendo suas perspectivas e desafios. E no REGA não tem só grupo de agroecologia alocado na universidade, tem outros grupos separados de agricultores que se articulam para a construção da agroecologia.

BELA – No ENGA a proposta é que não seja restrito aos estudantes. Tivemos a proposta de agricultores tanto participando do encontro quanto facilitando oficinas, nas mesas de discussão junto com professores e técnicos. E a presença de estudantes das EFAs também participando, sempre buscamos essa inserção. Uma construção horizontal do saber.

Qual avaliação vocês fazem sobre a ANA nesse primeiro contato?

BELAL – A gente da FEAB tem uma rotatividade anual da gestão, então no encontro Diálogos e Convergências foi um companheiro nosso do Rio Grande do Sul e antes dele outros. Essa é a minha primeira participação, e a avaliação é de um espaço importante para articulação geral da agroecologia. A gente fica sabendo que tem muito mais gente debatendo, discutindo e disputando o cenário da agroecologia. Achávamos que era muito restrito a nós e ao pouco que está ao nosso redor, e quando chega aqui vê esse tanto de sigla e gente disposto a construir.

BELA – Eu estou um pouco surpresa, porque achei muito mais aberto do que imaginava. Me sinto completamente à vontade, a juventude tem uma abertura muito grande. Senti muita tranqüilidade e horizontalidade entre as representatividades que estão aqui, que é a proposta da agroecologia nessa escala a nível nacional. Então é uma experiência muito rica e valiosa.